sábado, agosto 13, 2005

Artigo de Frei Betto

Salvemos o PT

Frei Betto

PT não significa Partido do Trambique, da Trapaça ou da Tramóia. É o Partido
dos Trabalhadores que, ao longo de 25 anos de existência, revelou possuir
muitas virtudes e alguns vícios. Agora ele aparece, aos olhos de
considerável parcela da opinião pública, um partido "igual aos outros" ou
"farinha do mesmo saco".

O horror da Inquisição na Idade Média e os recentes casos de pedofilia não
obscurecem a história da Igreja, banhada pelo sangue dos mártires e abraçada
por tantas figuras exemplares, como Francisco de Assis, Bartolomeu de las
Casas e madre Teresa de Calcutá.

O fato de alguns dirigentes do PT terem agido em contradição com a ética e
os princípios do partido não significa que houve conivência do conjunto de
sua direção e, muito menos, de sua militância, em geral gente pobre,
desempregados, donas de casa, operários, pequenos agricultores, estudantes e
profissionais liberais.

Excessos, traições e corrupções ocorrem, infelizmente, em todas as
instituições. Até Jesus teve Judas em seu grupo.

O PT não merece ser levado na enxurrada do esgoto destampado pelo deputado
Roberto Jefferson. Precisa ser preservado e depurado, como bem percebeu o
presidente Lula ao apoiar as CPIs, demitir o ministro José Dirceu e intervir
na direção do partido, agilizando a substituição de seus membros por
ministros de alta competência e confiabilidade, como Tarso Genro (Educação),
Ricardo Berzoini (Trabalho) e Humberto Costa (Saúde).

Nunca me filiei ao PT, mas participo de sua história, abonei-o junto às
Comunidades Eclesiais de Base e aos movimentos populares. Como cidadão,
constato que ele está visceralmente comprometido com o futuro do país. Se o
PT naufragar junto com seus dirigentes alvos de suspeitas, em qual outro
horizonte os pobres haverão de canalizar suas esperanças? O PT é muito maior
do que seus dirigentes acusados de agir ilicitamente no tráfico de verbas de
campanha.

Numa nação em que a parcela dos 10% mais ricos controla 42% da riqueza e, na
outra ponta, os 10% mais pobres dividem entre si 1% da renda nacional, o PT
tem sido a referência de mudanças no rumo da justiça social, malgrado o
freio de mão representado pela atual política econômica do governo.

A hipótese de esgarçadura do PT, advogada por setores retrógrados da
política brasileira, é uma ameaça à estabilidade democrática. Sem o PT, os
movimentos populares perderão sua representação política. É verdade que
poderiam delegá-la a outros partidos progressistas, mas nenhum deles tem
suficiente capilaridade no país, nem suscita o entusiasmo confiante que o PT
goza Brasil afora.

Sem o PT no cenário político brasileiro, o movimento popular ficará órfão,
sem canal de expressão, o que poderá induzi-lo ao desencanto com a política
institucional e resultar em graves desvios. Centrais sindicais e movimentos
de trabalhadores sem-terra podem ceder à tentação de se transformarem em
alternativas partidárias, esvaziando suas bandeiras específicas. Movimentos
sociais talvez se vejam incapazes de conter a revolta de seus militantes em
busca de vias alternativas, não-institucionais, para as mudanças sociais.
Não há quem possa garantir que tais alternativas venham a respeitar os
limites do estado de direito.

A luta armada interessa hoje, no Brasil, a apenas dois setores: aos
fabricantes de armas e à extrema-direita, saudosa dos tempos em que o fuzil
subjugava a lei. Porém, não se pode pedir a 53,9 milhões de pobres que
tenham paciência infinita. Embora o governo federal venha implantando
políticas sociais inovadoras, como o Fome Zero e, dentro dele, o Bolsa
Família; o microcrédito; o Pronaf; o seguro-safra; a demarcação de terras
indígenas, como Raposa Serra do Sol; o cooperativismo; e a ampliação do
emprego formal; ainda falta muito para que sejam atingidos os compromissos
históricos do PT, como a efetivação das reformas agrária e trabalhista.

Ninguém sai incólume de uma crise. Esta que ora abala o país e, no olho do
furacão, o PT, deverá servir para que a nova direção do partido - a
provisória e a que será eleita em setembro - repense seus mecanismos
internos de controle, seus princípios éticos, seus critérios de
financiamento de campanha, seu processo de filiação, de formação política da
militância e de qualificação dos dirigentes, sua visão estratégica de um
Brasil menos desigual e mais desenvolvido.

O PT é fiador de uma incomensurável esperança, hoje centralizada no governo
Lula. Pior que todas as maracutaias é ver o medo, frente às injunções do
mercado financeiro, vencer essa esperança. Não é a corrupção que mais ameaça
o PT. É o risco de o partido não cumprir seu papel histórico de agente de
transformação social. Como disse Lula na Praça da Bastilha, em Paris, faz-se
grande quem sabe pensar grande. Se o PT pensar apenas nas próximas eleições,
cego ao horizonte de mudanças que ele descortinou, haverá de definhar como
uma estrela sem brilho. E arrastará consigo a esperança de milhões de
pessoas. Restará a desesperança, em cujo ventre germinam as sementes
malignas da política: o fascismo, o fundamentalismo e o terrorismo.

Salvemos o PT, livrando-o de quem não o merece. Trata-se de salvar a
democracia brasileira. E que a lição sirva a todos nós: quando não há
clareza de quem são os nossos adversários, corremos o risco de nos comportar
como eles.

Frei Betto é escritor, autor de "Gosto de Uva" (Garamond), entre outros
livros.

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