quarta-feira, janeiro 31, 2007
Barbie - Como reproduzimos nosso consumismo em nossas filhas
Barbie
Rubem Alves
Fiquei comovido quando li que foram encontradas bonecas em túmulos de crianças no Egito, na Grécia e em Roma. Pude imaginar o que os pais deveriam estar sentindo ao colocar aquele brinquedo junto ao corpo da filha morta. Eles o faziam para que ela não partisse sozinha, para que ela não tivesse medo.
De fato, uma criança abraçada a uma boneca é uma criança sem medo, uma criança feliz. Os meninos, proibidos de ter bonecas, se abraçam aos seus ursinhos de pelúcia. E nós, adultos, proibidos de ter bonecas e de ter ursinhos de pelúcia, nos abraçamos ao travesseiro... Os objetos são diferentes, mas o seu sentido é o mesmo: o desejo de aconchego e de ternura.
Por isso eu acho que o senhor e a senhora fizeram muito bem ao dar uma boneca de presente para a sua filhinha.
Com uma exceção, é claro: se a boneca não foi a Barbie.
Porque a Barbie não é uma boneca. Falta a ela o poder que têm as outras bonecas, bebezinhos, de afugentar o medo e provocar sentimento maternais de ternura. Não posso imaginar uma menina dormindo abraçada à sua Barbie. Nenhum pai colocaria a Barbie no túmulo da filha morta.
A Barbie não é boneca. É uma bruxa.
Posso bem imaginar o espanto nos seus olhos.
Eu imagino também os seus pensamentos: O Rubem perdeu o juízo. A Barbie é unta boneca de plástico, não mexe, não pensa, não fala. E agora ele diz que ela é uma bruxa...
Que as bonecas, ao contrário das aparências, têm uma vida própria, eu aprendi no 2° ano primário. Minha professora me deu um livro sobre bonecas e bonecos: enquanto a gente estava acordado, elas ficavam deitadinhas, olhinhos fechados, fingindo que dormiam. Mas bastava que os vivos dormissem para que elas acordassem e se pusessem a falar coisas.
As bonecas foram os primeiros brinquedos inventados pelos homens.
E foram também os primeiros instrumentos de magia negra. Um alfinete, aplicado no lugar certo de uma boneca – assim afirmam os entendidos – tem o poder de matar a pessoa que se parece com ela.
Pois eu digo que a Barbie é uma bruxa.
Bruxa enfeitiça.
Enfeitiçada, a pessoa deixa de ter pensamentos próprios. Só pensa o que a bruxa manda. A pessoa enfeitiçada fica possuída pelos pensamentos da feiticeira e só pensa e faz aquilo que ela manda.
Se falo é porque vi, com esses olhos que a terra há de comer.
Basta que as crianças comecem a brincar com a Barbie, para que fiquem diferentes.
O pai manda, a mãe manda, a criança faz birra e não obedece. Não é assim com a Barbie. Basta que a Barbie mande para que elas obedeçam.
De novo você vai me contestar, dizendo que a Barbie não fala e não tem vontade. Por isso não pode nem dar ordens e nem ser obedecida.
Errado.
O fantástico é que ela, sem falar e sem ter vontade, tenha mais poder sobre a alma da criança que os pais.
Quem me revelou isso foi o futurólogo Alvin Toffler, no seu livro O Choque do Futuro, que li em 1971. O capítulo "A Sociedade do Joga-Fora" começa com a Barbie. Nascida em 1959, em 1970 mais de 12 milhões já tinham sido vendidas. Um negócio da China. E por quê? Porque a Barbie, diferente das bonecas antigas, bebês que se contentam com uma chupeta e um chocalho, tem uma voracidade insaciável.
A Barbie é uma boneca que nunca está contente: ela sempre pede mais. E essa é a grande lição que ela ensina às crianças: Compra, por favor!
Para se comprar há as roupas da Barbie, a banheira da Barbie, o secador de cabelo, o jogo de beleza, o guarda-roupa, a cama, a cozinha, o jogo de sala de estar, o carro, o jipe, a piscina, o chalé de praia, o cavalo e os maridos, que podem ser escolhidos e alternados entre o loiro e o Moreno etc. Etc.
A Barbie está sempre incompleta. Portanto, com ela vem sempre uma pitada de infelicidade.
Aliás, essa é a regra fundamental da sociedade consumiste: é preciso que as pessoas se sintam infelizes com o que têm, para que trabalhem e comprem o que não têm.
A Barbie tem esse poder: quem a tem está sempre infeliz porque há sempre algo que não se tem, ainda.
E os engenheiros da inveja, a serviço das fábricas, se encarregam de estar sempre produzindo esse novo objeto que ainda não foi comprado. Mas é inútil comprar. Porque logo um outro será produzido. É a cenoura na frente do burro... Ela nunca será comida.
Quem dá uma Barbie para uma criança põe a criança numa arapuca sem saída.
Porque, ao ter uma Barbie, ela ingressa no Clube das Meninas que têm Barbie.
E as conversas, nesse clube, são assim: Eu tenho o chalé de praia da Barbie. Você não tem. Ao que a outra retruca: – Não tenho o chalé, mas tenho o marido loiro da Barbie, que você não tem.
1 - Essa é a primeira lição que a inofensiva boneca de plástico ensina. Ensina a horrível fala do eu tenho, você não tem. A maldição das comparações. A maldição da inveja.
Você deve conhecer alguns adultos que fazem esse jogo.
Haverá coisa mais chata, mais burra, mais mesquinha?
Ao dar uma Barbie de presente é preciso que você saiba que a menina inevitavelmente aprenderá essa fala.
Isso feito, uma segunda fala entra inevitavelmente em cena, impulsionada pelas ilusões da inveja.
2 - A menininha pensa: Estou infeliz porque não tenho. Se eu tiver, serei feliz.
O jeito de se ter é comprar.
_ Papai...
– Que é, minha filha?
– Compra o chalé de praia da Barbie? Eu quero tanto...
Filha na arapuca. Pai na arapuca.
Mas há uma saída.
E, para ela, procuro sócios.
Vamos começar a produzir o próximo e definitivo complemento para a bruxa de plástico: urnas funerárias para a Barbie.
Por vezes o feitiço só se quebra com o assassinato da feiticeira – por bonitinha que ela seja...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
eu acho que ruben alves exagerouum pouco neh?
Isso é sério! Muito sério!
Tatiane, concordo: isso é muito sério! Muitas vezes fazemos coisas influenciados pela mídia para reproduzirmos o que a sociedade (leia-se: corporações) deseja: consuma muito, compre muito, quem não consome não pode ser feliz.
Postar um comentário